Morre César Villela, o designer da Bossa Nova
Artista estava internado com pneumonia; suas capas de discos criaram a identidade visual do movimento
O artista gráfico César G. Villela, criador de capas icônicas da bossa nova, morreu, aos 90 anos, nesta sexta-feira (11), em Miguel Pereira (RJ). O designer havia sido internado horas antes em um hospital da cidade, onde morava há seis anos, com um quadro de pneumonia. (Leia depoimento de Charles Gavin no fim deste texto.)
A informação foi confirmada ao GLOBO por Cláudia Villela, uma de suas filhas. O artista deixa também César e Elizabeth e quatro netos, além da mãe de seus filhos, de quem estava separado há três décadas. O sepultamento ocorreu nesta tarde também em Miguel Pereira.
“Meu avô se foi hoje… Mas sua arte vai estar sempre viva! Descanse em paz”, publicou o neto Tiago Villela nas redes sociais durante esta tarde, aproveitando para lembrar capas célebres criadas pelo avô para nomes como Tom Jobim, Sergio Mendes, Maysa e Baden Powell, entre outros.
Seus trabalhos, muitos deles caracterizados pelo uso de bolinhas vermelhas em seu projeto gráfico, foram feitos para as gravadoras Odeon e Elenco, berços dos discos da bossa nova. Foi sua, inclusive, a criação da capa do disco fundador do gênero, “Chega de saudade”, de João Gilberto, lançado em 1959.
Os grafismos vermelhos geralmente acompanhavam fotos em preto-e-branco de Chico Pereira, em alto contraste, uma combinação que garantiu a elegância e o minimalismo das artes do movimento. As bolinhas vermelhas costumavam aparecer em grupos de quatro, não por acaso, como explicava o artista.
“Na cabala, significam harmonia”, disse ele ao GLOBO em uma entrevista em 2008, para uma edição especial sobre os 50 anos da bossa nova, para a qual desenhou com exclusividade uma capa para o Segundo Caderno. “Fiz umas 20 capas (para artistas como Nara Leão, Maysa e Roberto Menescal) com as quatro bolinhas.”
Na ocasião, ao voltar ao jornal para esse trabalho, relembrou que o seu começo de carreira foi como ilustrador do GLOBO. Entre outras atribuições, foi o responsável pela ilustração de colunas de Elsie Lessa.
Para a bossa nova, dizia, seu processo de criação não vinha de tentar associar música e design. “Música é uma coisa, design é outra. São mundos diferentes, nunca associei música a desenho. Meu trabalho não era o de interpretar visualmente o artista ou o estilo”, contou Villela em 2008. “Às vezes, fazia as capas antes até mesmo de o repertório do disco estar definido.”
Para a adequação de suas capas à elegância da música da bossa nova, ele tinha uma teoria particular: “Existe uma inteligência coletiva, que às vezes nos usa como instrumento. A art nouveau é um exemplo disso. Ela teve uma influência geral, que atingiu pintura, moda, mas que não tinha chegado à música de forma significativa. Isso acabou acontecendo no Brasil, com a bossa nova”, explicava.
Uma vida nas artes
Além da farta produção como capista (ele estimava em mais de mil capas), construiu carreira, a partir de 1964, na equipe de criação Keitz & Herndon, Inc., produtora de filmes culturais e comerciais, em Dallas (EUA), de acordo com a “Enciclopédia Itaú Cultural”. Já nos anos 1970, foi presidente do Clube dos Diretores de Arte, no Rio de Janeiro, e lançou o primeiro “Anuário de Arte Visual do Brasil”. Suas obras ilustraram ainda o número inaugural do “Design Journal” do Art Center of Korea, em 1988, e os livros “Brasília: Patrimônio Cultural da Humanidade” (1988) e “Paz” (1989).
Segundo Cláudia, o pai, que havia completado 90 anos em maio, seguiu se expressando por meio das artes até o fim da vida, principalmente pintando telas em sua casa. “Muito independente e alegre”, como define a filha, ele morava sozinho e fazia questão de ter suas tintas à mão.
Depoimento de Charles Gavin, baterista, pesquisador e produtor:
Seguindo os passos do pensador e educador canadense Marshall McLuhan, que afirmava que “o meio é a mensagem”, o designer carioca Cesar Villela concebeu, nas capas dos LPs das gravadoras Odeon e Elenco, aquilo que podemos chamar de perfeita interpretação visual para a música de alguns dos maiores nomes da cultura brasileira.
Em consonância com a estética moderna e minimalista da bossa nova e com total liberdade para criar, Cesar produziu, ao lado do fotógrafo Francisco Pereira, o crème de la crème do design gráfico brasileiro das décadas de 50 e 60 — é só dar uma busca na web e conferir a beleza das capas dos discos “Vinicius & Odette Lara”, “A bossa nova de Roberto Menescal e seu conjunto”; “Bossa Balanço Balada” (de Sylvia Telles), “Maysa”, “Nara”, “Baden Powell à vontade” e “Antônio Carlos Jobim”, dentre outras. Seu trabalho dialogou, como poucos, com o zeitgeist daquele Brasil do início dos anos 60.
Cesar Villela era gentil, amoroso, extremamente educado, culto, brilhante e excelente contador de histórias. Fará falta, claro. Hora de reconhecer sua obra e revisitar suas composições gráficas, como ele chamava suas capas. E de dizer “muito, muito obrigado mestre”.
Fonte: jornal O Globo