A Bossa Nova de Roberto Menescal

Em entrevista publicada no jornal português Diário de Notícias em novembro de 2019, Roberto Menescal disse que João Gilberto escutou Stan Getz a tocar e comentou que parecia uma galinha a tocar. Ele regressou a Portugal 51 anos depois de ter acompanhado Elis Regina no Casino Estoril, no Verão de 1968. Segue a entrevista.

André Jordan, conhecido empresário luso-brasileiro, de ascendência polaca, acaba de lançar, no CCB, um livro autobiográfico, com mais de 600 páginas ( ). Sei que vocês eram bons e constantes amigos no Rio de Janeiro. Como conheceu André Jordan?
Foi na casa da Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana, em finais de 50. Há uma foto onde aparecemos os dois, juntamente com Luizinho Eça [do Tamba Trio], Óscar Castro-Neves, e outros músicos. Essa foto encontra-se num livro do André [“O Rio que passou na minha vida”, de 2006].

Frequentavam os mesmos locais?
Não. Eu fazia caça submarina em Cabo Frio, era um predador terrível (na óptica ecológica de hoje); eu não era muito da noite, o André era mais, pertencia inclusivamente a um grupo de 50 amigos, que incluía Dorival Caymmi, o “Clube da Chave” (ele era o nº 45); eu nunca fiz parte do “Clube da Chave”, era muito jovem, mas tínhamos muitos amigos em comum.

Quem foram os músicos que mais o influenciaram, nessa fase inicial da bossa nova (e da “pré-bossa nova”)?
Primeiramente, João Gilberto [recentemente falecido com 88 anos], depois Tom Jobim. Tenho de referir igualmente dois grandes cantores, considerados precursores da bossa nova, Lúcio Alves e Dick Farney, este um grande pianista que fez sucesso nos Estados Unidos. Um dia Lúcio Alves chegou perto de mim e disse: Roberto, o Tom diz que você tem umas músicas, quero conhecer. Nem quis acreditar! Mostrei-lhe, entre outras, “Rio” e “Nós e o mar”. “Vou gravar um disco com músicas suas”. Puxa… ele vai gravar as minhas músicas! E gravou mesmo. Nesse dia, cheguei a casa dos meus pais, de noite, e toquei na campainha. Veio a minha mãe, que perguntou: “Mas você não tem chave de casa?” Não, respondi, mas o Lúcio Alves vai gravar as minhas músicas. “E você tem música para ele?!” exclamou ela incrédula.

Ia frequentemente com Ronaldo Bôscoli, e outros, a Cabo Frio, e outros locais para pescar. Sei que tem uma divertida estória passada com o pescador João, que vos transportava no seu barco. Quer contar?
João perguntou um dia o que nós fazíamos, e Ronaldo e eu, muito sérios, dissémos que éramos compositores. Ele desconfiou. Por coincidência, passava naquele momento na rádio uma música nossa, “Nós e o Mar”. No final, o locutor da rádio informa que “Maysa acaba de cantar “Nós e o Mar”de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli”. “Tá vendo?” dissémos nós triunfantes. Sempre incrédulo, o pescador encolheu os ombros e disse “não tem só esses Menescal e Bôscoli no mundo”. Mais tarde, dedicámos-lhe “Morte de um Deus sal”.

Em Novembro de 1962, realizou-se um histórico show no Carnegie Hall, em Nova Iorque, promovido pelo Itamaraty, para “lançar” a bossa nova nos Estados Unidos. O produtor foi o norte-americano Sidney Frey, da etiqueta Audio Fidelity. Quer contar-nos como foi?
O show foi um sucesso danado. Milhares de pessoas a assistir na sala, e mais uns milhares lá fora. No público estavam Miles Davis, André Previn, Cannonball Adderley, Stan Getz , Milt Jackson do Modern Jazz Quartet, … Eles encontravam-se aliás no aeroporto de Nova Iorque, quando nós chegámos, e eu pensei “caramba tanto músico de jazz famoso, deveriam estar a partir para algum lugar”; “não, disse a pessoa que nos foi receber, eles estão recebendo vocês!”. Apesar das críticas, nomeadamente na imprensa nova-iorquina, o show teve um enorme impacte nos músicos presentes. O som, em minha opinião, estava ótimo, havia montes de microfones de rádio nos palcos. No regresso ao Rio de Janeiro, li algumas reportagens, como a de David Nasser, genro do dono do Cruzeiro, falando em fracasso. Que fracasso?! “Tem de ir já a S. Paulo”, diz Ricardo Amaral, jornalista e dono de várias casas de música, para explicar o que se passou. “Não vou não, tenho mais que fazer, vou-me casar!”. Há aliás um filme sobre o Carnegie Hall, que desapareceu durante 50 anos, e que parece foi agora encontrado.

Uma das felizes consequências desse show, foi a possibilidade de muitos músicos brasileiros fazerem carreira nos EUA, como por exemplo Sérgio Mendes, Óscar Castro-Neves, Jobim, etc.. E também a produção de um histórico e mítico LP, “Getz-Gilberto” (o saxofonista Stan Getz e João Gilberto). Como sucedeu isso?
Todo o mundo menos eu, ficou. E agora? Fiquei “viúvo” em 62! João Gilberto foi um dos que tinha ficado em Nova Iorque, em 1962. Stan Getz foi apresentado a Tom Jobim e João Gilberto, pouco depois do show do Carnegie Hall, pelo produtor Creed Taylor, que desejava muito esse casamento bossa-jazz. João escutou Stan Getz a tocar, mas comentou “parece uma galinha a tocar! Não quero tocar com ele”. Mas Getz tinha muita vontade de fazer um álbum com João e ficou desapontado. Ele também queria muito a voz dele no disco. Nessa ocasião, Astrud Gilberto [casada com João Gilberto desde 1959], e que não era uma cantora profissional, a pedido do Getz, colocou uma voz que seria apenas uma guia para os músicos que estavam gravando nesse dia, foi escolhida por ele como a voz definitiva, e assim ela começou uma vitoriosa carreira internacional!. O álbum, que contou para além de Tom Jobim, com a participação de dois outros grandes músicos, o baterista Milton Banana e o contrabaixista Sebastião Neto, foi gravado em 1964 nos estúdios A&R, cujo dono e engenheiro de som foi Phil Ramone. Um enorme sucesso. Em 1965 recebeu 4 Grammys.

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